28-mai-2020

Caminho de Santiago de Compostela

Maria Livia Venezi

Um ano! Dia 23/05/2020 completou um ano da realização de um grande sonho, pedalar cerca de 800 km pelo CAMINHO DE SANTIAGO DE COMPOSTELA.

Durante um pedal com Igor e Eliane, acredito que pra São Luís do Paraitinga, conversávamos sobre meu sonho de pedalar em Compostela. Trocamos informações, pois eles já haviam feito esse caminho e me convenceram a realizar esse sonho.

Passado um tempo, em uma oficina "Mão na Graxa", momento em que arrumamos as bikes para doação, conheci Andréia, uma ciclista que me foi apresentada pelo meu primo.

Conversando, coisa que adoro fazer, descobri que ela iria passar seu aniversário em Compostela. Perguntei:

- Quando você faz aniversário?

Ela me respondeu:

- Dia 26 de maio.

- Nossa, o meu é em 29 de maio, vou com você!

E assim foi, comprei minhas passagens, que por coincidência, no mesmo vôo dela e de sua irmã. Começava a realização de um sonho!

Ela já estava preparando essa viagem e todos os detalhes, logística, acomodações, valores, tudo mesmo.

Comentei com meu amigo Valmir sobre a viagem e dessa forma ele se uniu a nós. Enfim nosso quarteto estava formado, sem ao menos nos conhecermos e "que comecem os preparativos".

Fui as compras: saco de dormir, repelente, roupas, alforje, mala bike e tudo mais que precisaria.

Passaporte, ah o passaporte, nunca havia saído do Brasil e logo faria uma viagem para Espanha, então três meses antes providenciei a retirada.

Contagem regressiva.

Malas prontas, digo, alforges prontos depois de muito fazer e refazer a mala, consegui deixá-la com 9 kg, peso que achei ideal para conseguir carregar. Nessa viagem, é cada um por si, levando sua própria bagagem, momento treino do desapego.

Maria Livia Venezi

Bicicletas devidamente embaladas, protegendo muito bem o câmbio e a suspensão com muito plástico bolha antes de acomoda-las dentro dos malabikes.

Não comentei, foi opção nossa levar nossas bicicletas. Tínhamos opções de locação e de boas bicicletas, mas não me atraiu a ideia de pedalar 800km com outra BIKE sem ser a minha. Chegou o grande dia! No aeroporto despachamos as bicicletas e alforges, levando nas mãos as bolsas de guidão.

Cuidado com baterias, powerbank, não podem ser despachadas, corre-se o risco de explodir no avião, de acordo com o funcionário da agência...kkk

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Após muito tempo de viagem, não me lembro devido a diferença de fuso horário (4 horas), chegamos à Madri, no horário local eram 8 h da manhã. Bora começar os perrengues...kkk Foram 18 dias de viagem e 13 dias de pedal.

Apesar de tudo muito organizado, a chegada foi meio conturbada. Carregar as bikes, alforges, bolsas de guidão, foi um grande desafio, principalmente para mim com meus 1,48cm de altura. Nossa que difícil!!!

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Pegamos um ônibus no próprio aeroporto, um circular, que nos deixou em uma estação de trem. Esse trem nos levou até Roncesvalle, lá já nos aguardava um motorista de van, apropriada para transporte de bicicletas para nos levar ao início de nosso caminho.

São vários os caminhos que nós levam à Compostela, optamos pelo caminho tradicional iniciando em Saint Jean Pied de Port, na França.

Já havíamos reservado uma pousada, adorável, os donos eram um casal de franceses acostumados a receber peregrinos e bicigrinos.

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Nosso PRIMEIRO desafio... atravessar os Pirineus.

No caminho, o motorista da van nos aconselhou a contratar um "burrico" para levar nossa bagagem direto para o mosteiro em Roncesvalle, onde pernoitariamos. Isso não será preciso, disseram os corajosos, podemos transportar nossa bagagem.

Com a insistência acabamos concordando e contratamos o transporte de nossa bagagem. Até hoje não me arrependo, pois a travessia dos Pirineus foi um verdadeiro desafio.

Na manhã seguinte, após um bom café, precisávamos de uma bicicletaria, pois a gancheira do câmbio da bike do Valmir quebrou no transporte. Enquanto o conserto acontecia, fomos ao CARREFOUR francês, que chique, comprar nosso lanchinho do percurso.

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Bom 34 km com altímetria de 1590m, frio, chuva. Gente, me peguei chorando...O QUE ESTOU FAZENDO AQUI...

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Pedalar com chuva, já aconteceu, mas o frio...uma neblina que não se enxergava, sentia-me na floresta, só faltando o lobo mau aparecer...kkk. Foi um verdadeiro perrengue, não se conseguia pedalar e nem empurrar a bike, a cada passo, o pé enterrava em uma mistura de barro e folhas, quase até o joelho, a roupa estava desapropriada, minhas mãos pareciam que iriam quebrar de tanto gelo.

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No caminho uma cabana de suporte de vida nos apareceu, dentro uma lareira acesa, quase entrei dentro dela, sai de lá defumada... gente, faltava coragem para continuar.

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Aos poucos fomos vencendo cada km e conseguimos enfim chegarà Roncesvalle, local único na cidade que recebia peregrinos e bicigrinos.

Um grande mosteiro, Roncesvalles, também conhecida como Orreaga, é a primeira parada para os peregrinos que iniciam o Caminho de Santiago de Compostela em Saint Jean.

Após vencida a dura etapa dos Pirineus, podemos recarregar as energias nas confortáveis camas do albergue.

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O local era dividido como se fossem baias com 2 beliches. O quarteto enfim se instalou. Banho quente, agasalho e a bela Refeição dos Peregrinos, comida típica, regada a um belo vinho da Casa. Nunca bebi tanto vinho bom...

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Viagem maravilhosa, recomendo a todos os aficcionados pela magrela, por mais perrengue que tenhamos passado nesse primeiro dia, valeu muito.

As 6h da manhã fomos acordados com um belo canto gregoriano, café e pé, digo, BIKE na estrada...

Lá vamos nós, destino PAMPLONA. 46km, 7 horas de pedal.

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Tínhamos a opção da rota para bicicletas mas optamos em seguir a mesma trilha dos peregrinos. " BUEN CAMINO", era o que se ouvia em todas as línguas, dito por muitas pessoas com que cruzavamos pelo caminho.

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Uma visão gloriosa, pessoas de todas as nacionalidades andando, pedalando, em grupos, sozinhos, silenciosos, arruaceiros, pessoas diversas carregando em suas bagagens o sonho da superação com o único propósito de chegar a Santiago de Compostela.

Caminho pra muitos místico, paisagens lindas que nos fazem refletir muito sobre o que somos e do que precisamos para viver...

Ao final do dia, a chegada no hostel, sempre recebidos com carinho de quem sabe o que é o dia na estrada e a tão esperada "refeição do peregrino"

Um treinamento físico intensivo, onde começamos "pebas" e terminamos "galácticos", pernas fortes e espírito leve.

Em PAMPLONA foi o meu primeiro encontro com um templo. Próximo ao hostel, uma suntuosa igreja. Quando entrei, meu Deus...a beleza, a riqueza dos altares, no mínimo 4, em ouro reluzente, a arquitetura, as formas precisas de arcos feitos em pedras muito bem esculpidas gerando um encaixe perfeito, o tamanho da nave, a altura da cúpula. Liguei imediatamente para um amigo que, como eu, também sonha em conhecer e choramos juntos...Lindo!!!

Maria Livia Venezi

E assim fomos transpondo cada km e a cada dia nos aproximando de nosso objetivo. Cada lugar que passávamos uma particularidade, uma história.

Lembro-me de pararmos em uma capelinha muito rústica no meio do caminho, não me recordo em que lugar. Me ajoelhei simplesmente para agradecer a oportunidade de lá estar. Me emocionei muito e comecei a chorar. Dentro da capelinha uma freira se aproximou, colocou as mãos sobre o meu ombro, colocou uma imagem de Nossa Senhora no meu pescoço e me deu um abraço...sabe aquela hora que você simplesmente precisa de um. Minha alma reluziu e eu me senti plena...

Maria Livia Venezi

Foi um momento muito marcante. Não tenho como descrever tal sensação, tal emoção, tal desafio, somente aconselho que os corajosos coloquem a bike na estrada e vivam emoções incríveis.

Maria Livia Venezi

Cidadezinhas pequenas, moradores curiosos,com os olhos curiosos que por lá passavam. Igrejas típicas, quase milenares, casinhas encravadas em paredes de tijolos, muitas com varandas e floreiras cheias de cores vivas, calçamento em pedras rústicas, pisadas por tanta história que nos trouxe ao que somos hoje, bicas com água límpida e fresca para nos refrescar pelo caminho.

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Essa minha viagem foi exclusivamente para pedalar. Todas as acomodações foram em albergues ou HOSTELS, gastei uma média de €60/dia, com acomodação, lanche e refeição . Bem econômica mas não senti falta de nada.

No último dia, a ansiedade era enorme. O dia era uma variação de chuva, frio, vento, sol...parecia meu coração, uma mescla de emoções.

A medida que nos aproximávamos de Santiago, a chuva parou, o sol surgiu com um lindo arco-íris, faltando uns 3 km avistei a torre da Catedral...Chorei, chorei muito. Só me lembro dessa emoção quando nasceram meus filhos...

Maria Livia Venezi

Lembro-me como se fosse hoje, a incrível sensação da chegada , a mistura de riso e choro, de alegria e cansaço mas com a sensação de missão cumprida.

Fiquei no meio daquela praça observando os rostos de pessoas que assim como eu, muito emocionadas pela chegada.

Muitos momentos, muitas sensações, muitos desafios a cada km pedalado.

Esse é um pedal que quero repetir, quem sabe um pós pandemia, refazer esse percurso místico, iluminado.

Maria Livia Venezi Maria Livia Venezi


Por Maria Lívia de Queiroz Venezi, diretora executiva do ICB, coordenadora do Projeto Duas Rodas Para o Natal, formada em Educação Física pela Faculdade OSEC/UNISA.



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