20-mai-2020

E o Bike Luz chegou...

bike luz

O ano era 2013. Depois de termos feito uma pequena preparação para aquele que, até o momento, seria o nosso maior desafio em cima de uma bicicleta, lá fomos nós (eu e o Marcelo Duílio) para o BIKE LUZ. Para quem eventualmente nunca ouviu falar, o BIKE LUZ é um trajeto realizado entre várias pequenas cidades de Minas Gerais, passando por belos trechos da Serra da Mantiqueira e da Zona da Mata mineira. As cidades percorridas são: Tombos – Catuné - Pedra Dourada - Faria Lemos – Carangola – Caiana - Espera Feliz – Caparaó - Alto Caparaó e, para os mais aventureiros, ainda tem a subida até o Pico da Bandeira, com seus 2890 metros de altitude. Com cerca de 195 km de extensão, muitas subidas, poucas retas e várias descidas são encontradas pelo caminho. Confesso que tenho muitos registros das subidas, o restante meio que se perdeu no tempo.

Meu primeiro desafio em São Paulo foi o de embalar adequadamente a bike para embarcá-la no ônibus. A solução encontrada foi a proteção das partes mais sensíveis como o câmbio e enfiá-la num mala-bike recém adquirido (um bom investimento, diga-se de passagem). Comprei passagem de São Paulo para Carangola (MG), saída às 0h30, com chegada prevista às 11h30. Pois é, a previsão era de 11 horas de viagem até chegarmos em Carangola, de onde teríamos que seguir até Tombos, ponto de partida do tão esperado pedal, afinal as serras de Minas Gerais são especiais para qualquer ciclista, ainda mais um iniciante em cicloviagens como eu.

Para a minha alegria e satisfação, no terminal rodoviário do Tietê em São Paulo já encontramos vários outros ciclistas que também fariam o mesmo trajeto. Logo, já tínhamos um ponto em comum, embora alguns deles já tivessem vivido inúmeras experiências em cicloviagens. Mas, o Bike Luz era novidade para todos. Chegamos em Carangola, montamos as bikes e começamos a pensar em como transportaríamos as nossas coisas até Tombos. Basicamente ninguém utilizaria alforje nesta viagem. Todos havíamos contratado o serviço de transporte de bagagem (uma espécie de carro de apoio), mesmo os que não ficariam alojados coletivamente. Resolvido o problema, embarcamos as malas numa Montana de um senhor chamado Antenor. Pois é, sete anos depois e ainda me lembro do seu nome, pois fiquei encarregado de acompanhar as bagagens enquanto os demais foram no pedal. Além disso, o modo como ele dirigia me deu um certo medo, talvez por isso tenha registrado o nome.

Chegamos todos, nos reencontramos e começamos um processo natural de apropriação dos espaços da cidadezinha de Tombos (bastante agradável por sinal), enquanto aguardaríamos o encontro de boas vindas dos responsáveis pelo pedal, no caso o Albino e o pessoal da empresa Rastro de Luz. Recebidas as instruções gerais, a pergunta que pairou no ar era: o que faremos com este tempo disponível até o entardecer? Aí alguém sugeriu um banho de cachoeira, pois há um conjunto delas bem próximo da cidade. Convite aceito, lá fomos nós, Luciana Barros (gaúcha), Feijão (Andreense), Urubatan e Duílio (paulistanos) e eu (caipira de Riversul).

Ali começou um ciclo de novas amizades, o compartilhamento de experiências vividas e sonhos pessoais envolvendo as bikes. É impressionante como isso acaba criando um espaço favorável e produtivo às conversas, brincadeiras, confraternizações.

Bem, mas o desafio aqui é contar da experiência no Bike Luz. Então vamos lá. No dia 07/07/2013, por volta das 7h30 da manhã, começamos o pedal em direção à Cachoeira de Tombos, marco zero do pedal. Numa espécie de ritual conduzido pelo Albino e pela Rastro de Luz, ouvimos algumas orientações gerais, confraternizamos com os inúmeros pedaleiros (cerca de 50 ao todo), tomamos um café, apreciamos a belíssima paisagem e nos preparamos para iniciarmos o pedal.

A cidade de Tombos Encantado teve origem num vilarejo lá no século XIX, ente 1849 e 1852, quando inúmeros aventureiros se instalaram na região. Mas, inúmeros são os registros que apontam que por muitos séculos a região já era habitada por diversos grupos indígenas. Nos pés da cachoeira há uma escultura de Afonso Barros que, segundo consta, representa o registro das peregrinações destes grupos indígenas em direção à chamada Montanha Sagrada do Brasil – o Pico da Bandeira.

Pois é, pedalar nos propicia várias coisas. Entre elas o conhecimento de um pouquinho mais de nossa história geral e muitos aspectos das histórias regionais e locais. Assim partimos em direção à Catuné, distante 29 km do nosso ponto inicial.

Começamos o 2º dia de pedal com um belo café da manhã e mais interações entre os integrantes os participantes do pedal. No entanto, neste dia já comecei a sentir a formação de alguns mini grupos dentro do todo. O grupo dos mais rápidos, dos mais lentos, dos novos amigos, enfim... E assim fomos em direção à Faria Lemos, passando por Pedra Dourada, local que recebeu este nome em função do reflexo de luz que ocorre por conta do afloramento rochoso, muito parecido com a Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro. Além disso, há uma lenda local relacionada à Mãe do Ouro, uma entidade que habita um palácio submerso, mas passeia bela e formosa pelos ares, mostrando seu brilho aos moradores locais nas noites mais claras. Difícil não se encantar com estas histórias.

No caminho passamos pelo balneário da comunidade da igrejinha, onde se localiza o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Seguimos pelo Lombo do Burro, uma subidinha bem marota que me deu a impressão de estar rumando aos céus, pois não acabava nunca. Passamos pelo Vale do Silêncio, que não precisa de apresentações e chegamos ao alto da montanha, ponto que abriga o Santuário da Água Santa, de onde foi possível avistarmos o imenso vale e suas belezas, afinal, as Gerais são cheias delas. Deste ponto ainda tínhamos cerca de uns 20km nos separando de Faria Lemos, nosso ponto final do dia. Sobre esta cidade, acho que uma das menores do trajeto, só me lembro de ter ouvido uma história de que ela teria sido aterrorizada no passado por um certo coronel Novaes, dono de escravos, cercado de jagunços, violento, considerado um dos mais temidos de sua época. Se a história é verídica não sei dizer, mas fiquei com esta imagem na memória.

Finalizado o trajeto, aí veio a melhor hora. Muita prosa (o nosso tradicional bate papo), boteco, umas cervejas (no plural mesmo), comida mineira e muita confraternização. Com certeza o dia valeu a pena e a expectativa para o próximo estava elevada.

Amanheceu, iniciamos o 3º dia de pedal rumo à Caiana, passando por Carangola. Tínhamos pela frente mais ou menos uns 47 km de muitas subidas (eu avisei no início do texto que só me lembrava delas), algumas cachoeiras, vales e pastagens. De Carangola ouvi dizer que já fora chamada de Princesinha da Zona da Mata mineira em função da ferrovia, de ter sido um polo industrial e ter se tornado importante polo intelectual, artístico, educacional e científico da região. E, ser considerada um polo de disseminação do saber não é pouca coisa para nenhuma cidade. Ainda mais para as pequenas cidades deste país que tem ao todo 5570 cidades.

Deste trecho me lembro dos comentários sobre a grande energia gerada pela diversidade mineral da região de Caiana e da lenda de um “grande pássaro” - o espírito de um grande guerreiro indígena que, segundo os locais, sobrevoava as montanhas e protegia toda a região. Portanto, se juntarmos as histórias locais com a produção cultural e intelectual, estávamos passando pelo centro efervescente do caminho da Luz e ainda faltava um dia para chegarmos à Alto Caparaó.

E o último dia de pedal chegou. Saímos de Caiana rumo à Espera Feliz, para em seguida trilharmos rumo à Caparaó e atingirmos a próxima cidade, nosso ponto final, Alto Caparaó. A paisagem não apresentou grandes mudanças, continuamos percorrendo várias subidas, acompanhamos um rio e margeamos as divisas do parque Nacional do Caparaó. De Espera Feliz até Caparaó o caminho me pareceu mais plano. Daí em diante retomamos as subidas que nos levaram à Alto Caparaó, ponto final da nossa pedalada.

Me lembro com muito carinho dos momentos de confraternização com todos que finalizaram a atividade. Embora pareça pouco para muitos pedaleiros acostumados à longas distâncias, ter percorrido os cerca de 195 km deste trajeto me trouxe muita alegria, novos amigos, dentre os quais faço questão de citar a Carol, o Giovani (do Instituto Cicloativo) e o Urubatan, além do Duílio, um grande e velho amigo, e a certeza de que poderia colocar minha bike em outras estradas e novos desafios.

Antes de finalizar, após receber o certificado de conclusão do BIKE LUZ, de confraternizar com alguns (pois outros já voltaram rapidamente às suas cidades de origem), nos preparamos para o desafio complementar e fantástico - a subida ao Pico da Bandeira, com seus 2890 metros de altitude.

Fizemos o trajeto durante a noite para contemplarmos o amanhecer lá do alto. Confesso que nunca em minha vida havia passado tanto frio, mas a experiência valeu a pena e a faria novamente, sem dúvidas. A satisfação pessoal por ter atingido este objetivo ainda está muito viva nas minhas lembranças. Assim, encerro mais um relato e aproveito para registrar que, quando essa pandemia de Covid-19 passar e o Bike Luz for retomado, o farei novamente. Afinal, já se foram sete anos e, se ainda me lembro de muitas coisas é porque ele foi marcante e vale ser repetido.

Aos que me acompanharam até aqui, muito obrigado pela paciência e generosidade e, fica o convite: Bora para o Bike Luz 2021?


Por Profº Paulo Mendes, ciclista urbano, bacharel e licenciado em Geografia pela PUC/SP e voluntário do Instituto Cicloativo do Brasil.



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