04-mai-2020
Persistência, ingrediente fundamental para a conquista.

O sentimento de conquista é um dos mais especiais e marcantes que vivemos. Certamente você já comemorou uma conquista, seja sua, do seu time, da sua equipe ou mesmo de alguém por quem você torce. Mas o que leva as pessoas a atingirem o nível necessário para conquistar algo que almejam? No texto abaixo faço uma reflexão a partir de uma experiência própria, chegar em Campos do Jordão pedalando.
Eu comecei a pedalar em 2012, como parte de uma mudança na busca de melhor qualidade de vida. Por vinte anos trabalhei com produção e sonorização de eventos com jornada de sete dias por semana, virando quase todas as noites dos finais de semana. Minhas pedaladas começaram pelas ruas da cidade, depois passei a pedalar nas ciclofaixas de lazer de São Paulo, que infelizmente estão desativadas. Fui aumentando o percurso a cada domingo e fiquei todo feliz quando passei dos 50 km pedalados, ia me distraindo pelos parques e monumentos históricos. Conhecer a cidade de São Paulo pedalando me proporcionou um olhar mais detalhado sobre a história, arquitetura, arte, flora e fauna que são encantadoras e me cativava a cada pedal (passeio de bicicleta).
O gosto por pedalar foi tomando uma proporção maior e eu queria agora era passar a barreira dos 3 dígitos pedalando. Meu desafio não era com o tempo, e ainda não é, mas com a distância. Comecei a pesquisar na internet roteiros, sugestões de pedal, rotas para se fazer de bicicleta e conheci um projeto chamado DBM Desafio Bicicletas ao Mar, onde recebíamos um treinamento para ganhar condições físicas para chegar à praia pedalando pela Rota Márcia Prado (Márcia Prado foi uma ciclista que morreu vítima de atropelamento na Av. Paulista), que passa pelo Bairro Grajaú, Ilha do Bororé e Estrada da Manutenção da Rodovias dos Imigrantes, carinhosamente conhecida também por “Manú”, hoje proibida para os ciclistas, chegando no Canal 1 da praia de Santos. Fiz minha inscrição no DBM e ingressei nos treinos percebendo de imediato que estava fazendo o que gostava, conhecendo lugares novos, de um jeito novo e fazendo novas amizades que duram até hoje. Os treinos aconteciam às terças, quintas e domingos onde o grau de dificuldade, distância e altimetria (subidas) iam aumentando gradativamente. Nos treinos fomos para Paranapiacaba, Itu, São Roque e no último pedal do treinamento, vencer o desafio de chegar em Santos. Encarava os treinos sempre como um novo desafio, ou melhor uma nova subida desafiadora à frente. Não esqueço a emoção de chegar a estas cidades pedalando e claro, o sabor daquela deliciosa cerveja com os amigos.
Terminado o DBM, continuei pedalando com o grupo e o novo desafio era chegar em Aparecida. Missão dada é missão cumprida e vencido um desafio temos que nos lançar a outro, assim meu novo desafio era Campos do Jordão, saindo de São Caetano do Sul, onde moro.

A primeira vez que fui para Campos do Jordão pedalando foi em 03/08/2013, um sábado. Para fazer este pedal comprei uma calça nova, bike revisada, barrinhas e garrafinhas de água OK, câmaras de ar, ferramentas OK, tudo certo, Boraaaaa!!!!! A Silvana, minha esposa e a Taíse, minha filha, foram de carro e saíram logo pela manhã. Eu saí às 3h da madrugada, gosto de sair este horário para passar pelos pontos críticos de assalto, como logo após o posto de Itaquaquecetuba, ainda no escuro. Desta vez fui sozinho.
Tudo estava ótimo, ritmo, resistência física, paradas programadas, alguns pneus furados, mas tudo dentro do esperado. Cheguei em Taubaté, no Leite na Pista, um empório bem legal que tem na estrada em Taubaté, caminho para Tremembé, às 12h onde encontrei a Sil e a Taíse e juntos tomamos um belo café. A esta altura eu já sentia um desconforto grande na virilha e pensei, vou tomar um café, dar um tempo e passa. Depois do café retomei o pedal e a dor da assadura foi só piorando e em Tremembé abortei o pedal, chamando a Sil para me resgatar. Aprendi que a melhor roupa para um pedal longo é a mais velha, que fica mais confortável. A calça que comprei tinha uma costura interna que ficava raspando na virilha e me fez uma assadura muito feia. Fiquei o final de semana andando com as pernas abertas.

Em 02/11/2013, desta vez acompanhado por meus amigos do Cicloativo, fui pela segunda vez para Campos do Jordão. Que pedal bacana, que vibe!! Tudo certo, alguns muitos pneus furados, mas nada que tirasse o bom humor e isto é algo que esta galera tem de sobra. Abusei das barrinhas, sempre falam para comermos doce, pois a glicose gera energia. Iniciamos a subida e como já disse antes, meu desafio é a distância e não o tempo, coloquei na “vovozinha” (a marcha mais leve da bicicleta) e vamos nós, devagar e sempre. Uma parada para beber água, outra para uma foto, outras ainda porque não aguentava mesmo, mas seguindo em frente.
A certo ponto, já bem cansado, parei para comer algo e nesta altura minhas pernas não respondiam ao comando de ir para frente, não se mexiam. Muito cansado é hora da Sil entrar em ação novamente. Ela estava no apoio e me resgatou. Fiquei muito intrigado com o fato das pernas não responderem ao meu comando, não conseguia andar. Buscando informação com uma médica da família fui informado que poderia ser falta de sais, responsáveis também pelas sinapses entre os neurônios.
A principal lição desta experiência é variar as comidas sal e doce. Outro ponto que quero destacar aqui é que saímos em grupo, pedalamos a maior parte do tempo juntos e na subida cada um foi no seu ritmo, sempre nos encontrávamos e sempre estávamos recebendo notícias e dando forças uns aos outros. Quando pedalamos com amigos podemos até nos distanciar, mas sempre estamos juntos!!!

Minha terceira vez, 14/08/2015, foi a que eu mais estava preparado fisicamente, pois tinha acabado de fazer um Audax, prova de longa distância onde percorri 200km em 13h. Eu ia repetir tudo que tinha dado certo no Audax, roupa, bike revisada, mix de comidinhas para o caminho, tudo pronto. Havia combinado com o Jorge e o Well para sairmos à 0h30, mas estávamos prontos às 22h e resolvemos antecipar a saída, visando chegar mais cedo em Campos do Jordão e aproveitar mais a cidade. Nos encontramos na Estação Imigrantes do metro e seguimos para a Rodovia Ayrton Senna.
Seguíamos em bom ritmo, o Jorge a frente, o Well no meio e eu atrás. Na altura do Km 36, na saída para Itaquaquecetuba uma Fiorino que saia da rodovia para entrar para Itaqua me pegou. Eu não me lembro de nada do que aconteceu naquele dia, do momento que sai de casa ao dia seguinte, quando minha esposa e minha filha entraram no quarto do hospital para o qual fui levado. O relato que faço sobre o acidente é baseado em informações que recebi das pessoas que estavam comigo. Fui salvo pelo capacete, que quebrou-se todo e por uma força divina que acredito, alguma missão especial eu ainda tenho para cumprir aqui.

A experiência aqui foi muito mais forte do que qualquer desafio que eu venci ou possa vir a vencer, ver a preocupação de meus familiares comigo, a solidariedade dos amigos e principalmente saber que tive a chance de continuar a vida é algo que mudou para sempre minhas prioridades e valores. Tive os dois joelhos comprometidos, o úmero e três dedos fraturados, além de alguns arranhões. Ganhei uma placa no braço e depois de muita fisioterapia os dedos foram para o lugar e o melhor, o ortopedista aconselhou continuar pedalando para fortalecer a musculatura das pernas para reduzir o atrito nos joelhos e com isto ser dispensado da operação. “Por favor doutor, escreva isto em um papel para eu colocar em um quadro, chegar em casa falando que vou voltar a pedalar vai dar ruim” - disse ao médico. Foram cinco meses para eu me recuperar e comprar uma nova bike, uma Caloi City Tour. Em 10/03/2016, lá estava eu seguindo as recomendações médicas, fiz meu primeiro pedal mais longo, após o acidente, para a Rota das Fazendas em Jundiaí com a turma do Cicloativo.

O desafio de chegar a Campos do Jordão pedalando, mesmo com tudo o que ocorreu, continuava na minha cabeça, mas a resistência dos familiares era muito grande, era falar em Campos do Jordão que uma DR iniciava. Entendo o trauma que a experiência causou, mas precisava vencer este desafio. Continuei pedalando, fazendo pequenas viagens em grupos e em 14/10/2017 fui convidado pela Ademilde para ir para Aparecida com uma galera da ZL. Pedal lindo, uma galera nota 1000 e minhas condições físicas e psicológicas estavam ótimas. É agora!!!

No dia 21/10/2017, pela quarta vez, saí de São Caetano do Sul rumo a Campos do Jordão e agora com tudo alinhado, tudo perfeito, alimentação adequada, roupa confortável, Sil e Taíse no apoio e uma força interior impar para vencer este desafio que agora tinha sabor de vida para mim. Fui em ritmo tranquilo, curtindo a paisagem, tirando fotos e na subida da serra a mesma estratégia de antes, bota na “vovozinha” e segue. Fui subindo, tirando fotos, curtindo cada vista deslumbrante que tem a estrada, bebendo água nas várias fontes, sentindo o vento na cara.
A certa altura, nos km finais da subida que tem 20km, a euforia tomava conta, o coração começava a disparar, não pelo cansaço, mas pela alegria de estar mais perto de vencer meu desafio. A emoção ao ver o portal de entrada de Campos do Jordão foi uma das mais fortes, um filme completo passou pela minha mente, fiquei ali, parado, contemplando a beleza do lugar e revivendo as emoções e tudo que passei para chegar ali pedalando.
Não seria possível superar este desafio sozinho, tive ao meu lado amigos que pedalaram juntos, a Sil e a Taíse sempre me acompanhando e mesmo minha mãe rezando por mim, deram forças, conhecimentos, estrutura e fé que foram fundamentais para a conquista. A todos minha gratidão eterna!!!

No desafio você conhece a força e o poder que tem e do que você é capaz. Muitas vezes, no meio do caminho a vontade é de desistir, mas você lembra de algo, de alguém, divide o desafio em partes – só mais esta subida, mais 5km, e no fim chega ao seu destino, alcança seu objetivo. Se você tem um objetivo, um desafio, não desista dele, seja persistente. Por mais que as condições, que as circunstâncias, que as pessoas a sua volta lhe digam o contrário, seja persistente, vá em frente ou terá que conviver com a ideia de que não foi capaz, não completou a missão pelo resto da sua vida.
As lições que aprendi com este desafio levo para a minha vida pessoal e profissional.
Por Antonio Carlos de Moura Lima, ciclista por paixão, celebrante de casamentos, formado em Psicologia e voluntário do Instituto Cicloativo do Brasil.
Voltar