24-mar-2020
Uma viagem para a Patagônia: oportunidade para falar de cicloturismo

Há alguns meses surgiu a oportunidade de tirar férias que não estavam planejadas. Isso foi ótimo: é a oportunidade de fazer uma cicloviagem, algo que não faço há uns dois ou três anos. O local escolhido foi a região da Patagônia: uma região remota e deslumbrante ao sul de Chile e Argentina. Por ser uma região remota, com muitos vilarejos minúsculos, alguns cuidados devem ser tomados para a viagem.
Esses cuidados vão desde um planejamento cuidadoso das etapas até como ser autossuficiente: um problema sério em uma região remota pode gerar um atraso de vários dias.
Antes de começar a discutir o que pretendo usar, eu gostaria de falar aqui sobre alguns pontos sobre cicloturismo. Existe muita confusão sobre o que deve e o que não deve ser feito, qual a bicicleta certa, qual o jeito certo de carregar a bagagem etc.. A verdade é que não existe uma resposta correta. Não existe bicicleta certa ou errada. Não existe equipamento certo ou errado. E tudo vai depender do destino e qual o objetivo da viagem.
Cicloturismo é basicamente uma maneira de viajar onde o deslocamento é feito de bicicleta. Esse tipo de viagem pode variar de poucos dias a vários anos, pode ser em grupo ou sozinho, as paradas podem ser acampando ou em hotéis etc.. Todas essas variáveis vão definir qual o equipamento mais indicado. Se a viagem vai durar muito tempo, um mês ou mais, é mais recomendado o uso de bagageiros com alforges para carregar toda a bagagem, se a viagem for mais curta, podem ser usadas bolsas presas à bicicleta, o que atualmente tem sido chamado de bikepacking.
Diferença entre cicloturismo e bikepacking
Basicamente não existe diferença. É tudo uma viagem de bicicleta, a diferença sendo somente no tipo de equipamento. Nesse sentido o mais importante é definir o trajeto: se serão usadas estradas de terra, trechos onde a bike deve ser empurrada ou se a altimetria é muito ou pouco elevada.
É muito complicado ter que descer e empurrar uma bike super carregada com alforges dianteiros e traseiros; então isso conta muito na hora de decidir a quantidade de equipamento a ser levada e como este equipamento será acomodado. Outro ponto importante, é que com alforges tradicionais existe um bagageiro onde esses alforges são presos. Dependendo do terreno e do peso carregado os bagageiros podem quebrar, é importante ter um plano B para caso isso aconteça e usar um bagageiro que tenha sido bastante testado em viagens mais curtas antes da grande viagem. O segredo principal nesse tipo de viagem é conhecer muito bem o seu equipamento para conseguir resolver esses perrengues.

Configuração padrão de bicicletas para cicloturismo.
Nesse ponto, o bikepacking ajuda muito: normalmente as bolsas são presas à bike por tiras fortes, então não existe o risco de quebra de componentes metálicos. O problema com o bikepacking é que todo espaço disponível na bicicleta é usado para prender bagagem. Normalmente se usa uma bolsa de guidão grande, onde ficam itens que necessitem ser acessados a todo momento durante viagem, uma bolsa de selim grande, onde ficam itens que serão usados apenas ao fim do dia, já que essas bolsas não são práticas para ficar abrindo e fechando toda hora. Ainda pode ser usada uma bolsa de quadro, que ocupa todo o espaço do triângulo dianteiro do quadro para carregar a carga. Outra vantagem do bikepacking é pelo fato de as bolsas estarem presas mais próximos do centro de gravidade da bike diminuem um pouco o impacto do peso em como a bike se comporta com carga. Uma desvantagem é que dependendo da bolsa, elas podem balançar bastante em alguns momentos, quando se está escalando por exemplo.

Opção simples de bikepacking, nesse caso sem bolsa de quadro.
O que levar para reparar a bike?
O que levar depende muito da viagem. Se for uma viagem longa, por regiões muito remotas será necessário levar mais coisas. Se a viagem for mais curta, talvez alguns itens pode ficar de fora, entretanto certos itens não podem faltar, como ferramentas para arrumar a bike. O viajante tem que estar em condições de por a bike para andar pelo menos até a próxima cidade. Então o mínimo de ferramentas para isso deve estar presente. Para mim numa viagem curta, o indispensável é:
1) Um canivetinho de chaves de bike
2) 2 câmaras de ar reserva
3) Bomba
4) Kit remendo
Se a viagem for mais longa, aí já começa a variar muito. Viagens longas mas passando por muitas cidades, como é o caso dos caminhos religiosos (Santiago, da Fé etc…) invariavelmente o ciclista irá passar por uma cidade com oficina mecânica para dar um help.
No entanto se a viagem for para os confins da Patagônia, como no meu caso, o ciclista pode ter que pedalaraté 300km no meio do nada, até chegar a um vilarejo, com chances mínimas de ter uma oficina de bike. Nesse tipo de viagem em caso de qualquer problema com a bike, o ciclista deve ser capaz de fazer um reparo que dure bastante tempo, de repente chegando até o fim da viagem. Aqui deixo uma lista mais extensa desses itens:
1) Kit de ferramentas mais completo incluindo:
a) Chave de raio
b) Chave de corrente
c) Remendo para pneu (manchão)
d) Chave de corrente
2) 4 câmaras reserva
3) Kit de raios
4) 2 kits de remendo
5) 2 bombas
6) Cabos de câmbio e de freio
7) 2 ou mais pares de Pastilhas/Sapatas de freio
8) Quick Link para reparo de corrente
9) Enforca gato
Essa lista não é final, e dependendo da viagem podem ser necessários outros itens. O ideal é o ciclista entender tudo o que sua bike precisa, para conseguir repará-la em qualquer condição. Nesse sentido deve-se pensar muito na bike que será usada. Não há nada pior que chegar numa cidadezinha minúscula, encontrar uma loja de bike e descobrir que não existe pneu 29 ou pastilhas para freio hidráulico disponíveis. Já passei por isso em uma viagem no interior de São Paulo e não tive muito o que fazer a não ser seguir viagem sem freio. No fim, eu rezava para não encontrar descida, pois já não conseguia mais frear.

Outra opção de bikepacking que usei nas provas de Audax. Essa é uma opção que requer cuidado: a bolsa traseira tem um ponto só de fixação. Se este ponto quebra a bolsa fica inutilizada.
O que levar de bagagem?
Os objetivos com uma viagem de bike são os mais variados possíveis e nesse meio pode-se encontrar de tudo desde viajante que quer todo o conforto possível e por isso viaja fortemente carregado até aqueles minimalistas que vão com com uma bolsa pequena e poucas coisas. Seja qual for o estilo escolhido existem dois pontos importantes:
A) Tudo o que você colocar na bagagem é você que vai carregar, por todo o tempo. Errar aqui pode significar ter que se desfazer de coisas pelo caminho ou despachar via correio.
B) Evite levar coisas presas ao corpo (como mochilas, por exemplo). Esses itens podem incomodar e até machucar o ciclista por um dia inteiro pedalando, imagine vários dias seguidos
Eu acabo escolhendo as coisas de acordo com o meu humor e de acordo com o destino da viagem. Tenho uma carretinha que prendo na bicicleta que suporta até 35kg de carga. É super legal, carrega coisa para caramba mas numa viagem longa e remota pode ser um problema. É mais um item para dar problema e que terei que levar peças e ferramentas para a reparação. No caso da Patagônia, ela não vai. Resumindo tudo, para quem vai começar recomendo o seguinte:
1) Um bom bagageiro
a) Com pelos menos dois pontos de fixação de cada lado
b) Nesse caso evitar aqueles bagageiros que são presos somente ao canote do selim. A capacidade de carga desses modelos é muito pequeno e podem quebrar com a trepidação ou ao passar mais forte num buraco.
2) Um par de alforges
- Existem vários modelos e qualquer um deles aqui serve. Minha primeira viagem foi o caminho de Santiago e fiz tudo com equipamentos da Decathlon, sem nenhum problema.
3) Uma bolsa de guidão
- Permite carregar coisas para usar durante o dia: protetor solar, carteira, celular, comidinhas etc…
4) Uma bolsa de selim para as ferramentas
Agora o que por dentro dos alforges? Isso varia muito de pessoa para pessoa, no fim das contas o importante é usar roupas leves e fáceis de lavar e secar e levar poucas trocas. É mais fácil ficar lavando todo dia e pondo para secar, do que ficar carregando um monte de roupas sujas pela viagem. De novo isso é bem pessoal e não existe certo ou errado, abaixo vou colocar de exemplo o que usamos no Caminho de Santiago:
1) Duas camisas de bike
2) Duas bermudas de bike
3) Duas roupas íntimas
4) Dois pares de meia para pedalar
5) Uma calça de moletom
6) Uma camiseta de algodão
Estes dois últimos itens usávamos ao fim do dia para andar pela cidade depois de ter tomado banho
7) Um casaco para pedalar
8) Um casaco para a noite
9) Um saco de dormir
a)Vários albergues não tinham roupa de cama ou essa era cobrada a parte. O saco de dormir nesse caso era mais fácil e prático.
b)Se a viagem vai ficar só em pousadas, talvez esse item possa ser retirado
10) Um kit de camping
a )Esse era um kit composto de uma panelinha, uns talheres e dois copos pequenos.
b) Usávamos para carregar manteiga, queijo e outros itens para fazer sanduíches nas paradas.
c) Isso foi bem prático e era muito bom parar nas pracinhas e armar um pic nic maroto com pães e frutas que comprávamos pelo caminho.
11) Uma necessaire para higiene - Nesse caso levamos uma só para os dois
12) Um calçado para a noite - Nesse caso optamos pelo Croc, que apesar de desajeitado é bastante leve. No fim acabou sendo uma ótima opção.
13) Um calçado para pedalar - Eu usei sapatilha e minha esposa um tênis normal
14) Sabão para lavar roupa - Aqui usamos uma barra pequena, que compramos onde começamos a viagem e que tinha o nome divertido de Lagarto.
No fim esses itens foram bem acertados e não faltou nada, ou quase nada. Em uma etapa pegamos um frio e chuva intensos e não tínhamos nada para esse clima, então passamos numa Decathlon para comprar roupas impermeáveis. Compramos e nunca usamos, pois não pegamos mais chuva e frio até o fim do caminho. Nossa rotina era: depois do banho a minha esposa lavar a roupa enquanto eu preparava nossos lanches e dava uma geral nas bikes. No dia seguinte as roupas iam penduradas nos alforges e por volta da hora do almoço estavam secas. Se a viagem for curta (uma semana por exemplo), pode ser mais fácil levar 5 trocas de roupa e não ter que ficar lavando todo dia. Se a viagem for longa, não vai ter como fugir da lavação de roupa.
Voltando à Patagônia, que pretendo levar?
Depois de muito analisar bati o martelo em bikepacking. Para essa viagem vou estar usando a minha bike estilo Gravel e já estava há algum tempo planejando equipá-la com as bolsas. Eu resolvi então fazer as bolsas personalizadas com a SRD, um ateliê paulistano especializado em bolsas e outros acessórias para bike. Os equipamentos estão em confecção mas vou contar com o kit a seguir:
1) Bolsa de guidão grande
2) Bolsa de selim grande
3) Bolsa de quadro
As bolsas irão contar com estabilizadores para não ficarem balançando para esses dois itens
Tudo isso irá acomodar roupas, saco de dormir, um pequeno kit de camping e ferramentas. A ideia aqui é viajar leve e curtindo o local e uma vida simples. A viagem vai levar 16 dias, acredito que este seja o limite para um bike packing. Mais que isso pode ficar complicado viajar com espaço tão reduzido.

Planejamento das bolsas que levarei para a Patagônia.
Por Igor Simões, ciclista de longa distância e cicloviajante, integrante do ICB desde 2017. Mecânico profissional de bicicletas com formação pelo United Bicycle Institute no EUA. Bacharel em Ciências da Computação pela UNESP. Consultor de TI.
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