A Violência no Trânsito e os Desafios da Mobilidade por Bike nas Cidades
Desafios da Mobilidade por Bike nas Cidades
Em março de 2020 publiquei um pequeno texto no blog do Instituto Cicloativo do Brasil – ICB (http://www.cicloativobrasil.org.br/blog) cujo tema era “o desafio de andar de bike na metrópole paulistana”, que tinha como objetivo compartilhar algumas ideias sobre a realidade cotidiana de quem se aventura a pegar sua bike e, seus caminhos e descaminhos na metrópole.
O texto era mais uma chamada de atenção para o que nós, que temos paixão pelas bikes e capacidade de articulação política e institucional podemos fazer para tornarmos o ato de pedalar (seja por lazer, trabalho, bem-estar, economia de grana ou qualquer outro motivo), algo mais seguro e menos desafiador.
Pois bem, dois anos se passaram e estou de volta para falar de um tema que é extremamente importante para todos nós, ciclistas ou não, que é a violência no trânsito e as mortes decorrentes de “acidentes” no trânsito.
As aspas são para sinalizar que precisamos descontruir a ideia de que as mortes no trânsito são acidentes, pois ao debruçarmos na análise de muitos casos, percebemos que a imprudência, o excesso de velocidade, a combinação álcool + volante, o sono, enfim, uma combinação de fatores é apontada como causas destes “acidentes”, portanto, defendo que essa desconstrução tenha que ser buscada incansavelmente, pois o que temos na prática são homicídios no trânsito.
E, para corroborar com o que estou falando, dados de uma pesquisa da Global Status Report on Road Safety (OMS) de 2018 apontam que o Brasil é o 3º país com mais óbitos no trânsito que poderiam ser evitados. Portanto, não são acidentes.
De acordo com um levantamento realizado pelo site Observatório da Bicicleta (link abaixo), com dados do Ministério da Saúde/DATASUS, no período de 2010-2019, foram 13.776 ciclistas que perderam suas vidas no trânsito, o que a maioria ou muitos de nós chamaríamos de acidentes de trânsito. Confira a tabela.
Brasil: evolução das mortes de ciclistas por sexo no período 2010-2019.
Ano | Masculino | Feminino | Total de mortes |
2010 | 1366 | 147 | 1513 |
2011 | 1323 | 151 | 1474 |
2012 | 1336 | 156 | 1492 |
2013 | 1199 | 149 | 1348 |
2014 | 1233 | 124 | 1357 |
2015 | 1187 | 124 | 1311 |
2016 | 1146 | 112 | 1258 |
2017 | 1170 | 136 | 1306 |
2018 | 1232 | 128 | 1360 |
2019 | 1231 | 126 | 1357 |
Total | 12423 | 1353 | 13776 |
Os dados são absolutamente alarmantes e apontam para a necessidade imediata de um conjunto de ações que possam garantir segurança aos ciclistas, evitando o elevadíssimo número de mortes, além das incontáveis sequelas que não estão contabilizadas na tabela.
Outro fator que não vou abordar aqui, mas que pretendo pelo menos lançar uma luz é sobre as prováveis causas de tamanha diferença entre as mortes de homens e de mulheres, conforme apontam os dados da tabela. Este será um assunto para outro texto.
Ainda na questão do número de ciclistas mortos, dados do Observa Sampa da Prefeitura de São Paulo indicam que no período 2010 – 2020, 416 ciclistas perderam suas vidas na cidade de São Paulo. Vejam os dados.
Mortes de ciclistas no trânsito em São Paulo (capital) – 2010-2020
Ano | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 |
Mortes | 49 | 49 | 52 | 35 | 47 | 31 |
2016 | 2017 | 2018 | 2019 | 2020 |
30 | 37 | 19 | 31 | 36 |
Fonte: http://observasampa.prefeitura.sp.gov.br/mobilidade-e-seguranca-no-transito. Acesso em 17/03/2022.
Os números da capital paulista somente reforçam a necessidade de que medidas urgentes sejam adotadas para conter o elevadíssimo número de ciclistas que tiveram suas vidas encerradas em decorrência da violência no trânsito.
Mas, quais são ou seriam as principais medidas que devem/deveriam ser implementadas para que tenhamos segurança em nossos deslocamentos de bicicleta?
Acredito que não existam soluções únicas e mágicas. No entanto, há um consenso entre os estudiosos do tema da mobilidade urbana de que algumas medidas trarão efeitos significativos sobre a realidade atual. São elas:
- O controle de velocidade no trânsito (leia-se: redução da velocidade nas ruas e avenidas);
- Fiscalização e punição dos maus motoristas;
- Redesenhar o sistema viário e implementar infraestrutura básica e segura para os usuários de bicicletas (ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas, acessos adequados etc);
- Investir em educação para o trânsito e para a cidadania (para motoristas, ciclistas e pedestres), de forma que tenhamos um reconhecimento da bike como um modal de transporte viável e extremamente importante para os desafios atuais de mobilidade dos grandes centros urbanos e; ao mesmo tempo, desconstruir o papel cultural do carro, decorrente de muitos anos de uma política rodoviarista que foi implementada no país.
Como estudioso do tema mobilidade e amante e usuário da bicicleta na metrópole paulistana, concordo com as medidas identificadas acima. Reconheço que algumas delas levarão mais tempo para serem implementadas, pois são medidas de mais longo prazo.
No entanto, sem a nossa efetiva mobilização, atuação e cobrança, elas podem simplesmente não passar de propostas, enquanto centenas de vidas continuarão sendo perdidas e suas causas sendo tratadas como acidentes, a exemplo do Claudemir Kauã dos Santos Queiroz (atropelado em 2022), da Marina Harkout (atropelada em 2020), do Demerval de Oliveira Santos Filho (atropelado em 2018) e, os inúmeros anônimos que se tornaram, infelizmente, números nesta triste estatística de mortes de ciclistas no trânsito.
Bora fazer parte deste movimento?
PS . Este texto é uma singela homenagem a todos os ciclistas que perderam suas vidas para a violência no trânsito e, em especial, ao Demerval de Oliveira Santos Filho – o Dermê, um amigo pessoal e, assim como eu, voluntário no Projeto Duas Rodas para o Natal do Instituto Cicloativo do Brasil – ICB.
Por Profº Paulo Mendes, ciclista urbano, bacharel e licenciado em Geografia pela PUC/SP e voluntário do Instituto Cicloativo do Brasil.