“Essa Deve Ser uma Nova Era de Ouro Para O Ciclismo”
Quando li essa frase, confesso que fiquei imaginando que seu autor seria uma pessoa diretamente ligada ao ciclismo e um grande apaixonado pela atividade. No entanto, para minha surpresa, ela foi dita por um dos mais influentes políticos do mundo, o Primeiro-Ministro inglês Boris Johnson, no dia 06/05/2020.
Daí, fui pesquisar sobre o contexto que o levou a fazer uma afirmação que, para nós que somos ciclistas, tem um enorme valor, mesmo que nunca venhamos a pedalar pelo território britânico.
A frase do político inglês foi proferida na cerimônia de lançamento de um pacote de 2 bilhões de libras, lançado pelo governo inglês, na figura do secretário de transportes Grant Shapps, para incentivo ao ciclismo e caminhadas no solo britânico.
Quase um ano depois, foi a vez da França corroborar com a ideia de que, efetivamente, vivemos em uma era de ouro para o ciclismo. Segundo a Agência Reuters, a Assembleia Nacional Francesa aprovou um projeto preliminar que doará cerca de 2 500 Euros, o que corresponde a mais ou menos 3 mil dólares ou 17 mil reais (no câmbio do dia 18/04/2021), para o cidadão que decidir entregar seu carro velho para se transformar em sucata e adquirir uma bicicleta elétrica.
O projeto, de autoria de Olivier Scheneider´s, da Federação Francesa de Usuários de Bicicletas (FUB), faz parte de uma grande ação do governo francês que visa a redução de até 40% da emissão de gases do efeito estufa, principalmente o CO2, até o ano de 2030. E, nesse contexto, a aposta nas bikes elétricas tem sido a política oficial.
Ainda na França, especificamente em Paris, a prefeitura municipal também tem um programa que doa 400 Euros para os interessados na aquisição de uma bike elétrica.
Para a Ministra dos Transporte do país, Roxana Maracineanu, além dos incentivos à aquisição das bicicletas, outros investimentos estão sendo destinados à implementação e melhorias da malha viária urbana e de ciclovias para os usuários das bicicletas.
Fechando o giro pelo espaço europeu, outros países a exemplo da Finlândia e Lituânia, também tem oferecido descontos de até 1 mil Euros para a troca de veículos convencionais por veículos elétricos e também por bicicletas.
Aí voltamos ao espaço brasileiro. Por aqui, embora tenhamos vivenciado um aumento de cerca de 50% nas vendas de bicicletas em 2020, quando comparado a de 2019, segundo um balanço publicado pela Aliança Bike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas), ainda estamos muito distantes da realização de projetos efetivos de melhorias na infraestrutura urbana e de ciclovias para o recebimento destes novos ciclistas que estão ocupando as ruas e demais espaços públicos das cidades brasileiras.
Em fevereiro de 2021 o governo federal anunciou a redução das tarifas de importação de bicicletas de 35% para 20%, sinalizando uma conquista para os potenciais consumidores. Menos de um mês depois, a decisão foi revogada pelo Gecex – Comitê Executivo de Gestão da Camex – Câmara do Comércio Exterior.
Com uma alíquota de 35% de impostos sobre o comércio de bicicletas, o Brasil figura como o país que apresenta a mais alta taxa de acordo com os dados da OMC – Organização Mundial do Comércio.
Aliás, essa taxa é mais alta que a cobrada sobre alguns produtos como bebidas alcoólicas e até cigarros, que, convenhamos, caminham do lado oposto ao bem-estar físico, mental e ambiental, proporcionado pelo uso diário das bicicletas.
Dito tudo isso, proponho um debate sobre o tema da falta de uma política pública (política de Estado, não só de governo) voltada à infraestrutura e apoio às bicicletas e seus inúmeros, milhares, milhões de usuários.
Meu questionamento passa por diversas instâncias que vão desde o usuário comum do dia a dia, passando pelos inúmeros grupos de ciclismo, pelos legisladores, pelas empresas que fabricam e/ou importam as bikes, enfim, por aqueles que, de alguma forma estão ligados diretamente ao tema. O que teremos que fazer para sermos efetivamente contemplados num direito básico?
Já que historicamente gostamos muito de copiar o que ocorre nos países desenvolvidos, o que falta para sermos contemplados com projetos de grande amplitude, a exemplo dos que estão ocorrendo no Reino Unido e na França?
E aí? Topa a discussão?
Por Profº Paulo Mendes, ciclista urbano, bacharel e licenciado em Geografia pela PUC/SP e voluntário do Instituto Cicloativo do Brasil